quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Boggie nights fever writings.

Alguns elementos químicos
Com uma velocidade física
E alguns cálculos matemáticos
E o resultado são todos e tudo.
E tudo que já ficou na historia.
Todos relevos da geografia.
Enfim, cantemos à vida.

...


Termino o dia conversando sozinho.
Manhã, tarde e noite, no festival cultural.
Termino em casa falando sozinho.
Musica krishna, turca, alemã, indiana, brasileira...
Termino em casa falando sozinho.
Quantas garotinhas e suas roupas coloridas...
E termino em casa falando sozinho.
Tenho que aceitar o que me acontece.
Mas a agonia não passa.
Preciso de alguém a receber o que tenho.
Eis tudo que tenho, o amor à existência
E termino em casa falando sozinho.

...


Peço à senhora existência
Que eu navegue em mares calmos.
E quando estiver em mar turbulento.
Que me guie com seu vento forte.

"Navegar é preciso, viver não é preciso" (F. P.)

Só navega quem já vive.
A existência predomina.

domingo, 1 de novembro de 2009

Eu e a matéria efêmera.

Uma hora morro por ai.
Em meio a desconhecidos.
No fluxo infinito...
---

Quanto mais sei,
menos sei...
Ser a matéria bruta.
Sem sentido.

Quanto glorifica
cultuar à matéria...
Bem melhor, muito melhor,
Que o imaginário.

Aceito o que vier.
Não tenho todas escolhas.
Estou sempre só.

Solito e reinando.
Reinando só.
Em meu reino de uma cabeça, e pouco alcance.

---


Da conciência finita no infinito,
à decomposição eterna.
---


Glorifico a materia.
Cultuo a existencia.
Aleluia, Hare krishna.
Organismo flutuante.
Hare Hare, Aleluia...

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Musica nova no HD.

Thiago Pethit - Em outro Lugar (2008). Rapidshare
Sao Paulo.


Vetiver - Tight Knit (2009). Mediafire
San Francisco.

 Beirut - Gulag Orkestar (2006). Mediafire
New York.





sábado, 3 de outubro de 2009

Soneto livre ao navegante.

Navegante de mar turbulento.
Iemanjá protege tua carne.
Tu já tens por caminho.
Os confins destes mares.

À noite, ao vento, ao dia.
O casco sempre desgastando.
E tu navegante, sem via.
Solto em alguns metros, sonhando.

O tempo, rei da matéria.
Transforma partículas do mar.
Mas tu navegaste sozinho.

O tempo lhe envelhece.
Te repreende organismo sonhar.
E teu casco, ó navegante, a caminho...

sábado, 26 de setembro de 2009

Filmes para o vestibular na FAP (2010).

Dogville - 2003 - Lars von Trier. (Que os/as senhores/as podem encontrar em sua locadora mais proxima.)

Terra em Transe - 1967 - Glauber Rocha. (Torrent)

Terra Estrangeira - 1996 - Walter Salles. (Torrent)

Santiago - 2007 - João Moreira Salles. (Torrent)

Ladrões de Bicicleta - 1948 -Vittorio De Sica. (Torrent)  /  (Legenda)

Hiroshima Mon'Amour - 1959 - Allan Resnais. (Torrent)  /  (Legenda)


Ai esta.... Have Fun...

sábado, 12 de setembro de 2009

Trilogia Zé do Caixão.

Dando crédito ao post do nosso amigo Joaquim. Salve Mojica. Vai ai:
 .

1963 - A meia noite levarei sua alma
1966 - Esta noite encarnarei no Teu cadáver.
1967 - O estranho mundo de Zé do Caixão.
Torrent <-----
Mininova* (Funcional)
.
Os dois primeiros filmes fazem parte da trilogia  que terminou em 2008 com "Encarnação do Demônio". Vale muito a pena, se falta espaço no HD baixa o torrent e depois escolhe qualquer um dos filmes, os três estão no mesmo torrent para download. Enjoy.
 

Keep it Real.

Quantas pessoas hoje em dia ainda acreditam em um pós-morte?
.
Todas essas pessoas vivem em algum tipo ficção interna. A realidade em si, a vida que é o mais importante, passa despercebida entre momentos de êxtase e dor. A alma individual, em que se acredita, é fruto do imaginário, não passa de personalidade adquirida pela matéria. Os espíritos, vultos, vozes e qualquer outro tipo de manifestação "sobrenatural" não passa de instigação e reação cerebral interna de algum sujeito perturbado.
.
Em 1963 José Mojica lançou o filme "A meia noite levarei sua alma". Nos anos 60, trabalhava instigando o imaginário da população brasileira com seu personagem Zé do Caixão. Sempre se teve preconceito aos filmes de José Mojica, mas Mojica sempre foi realista, que brinca com extremos e faz pensar. "Cinema Trash é cinema de baixo custo e não bizarro."
.
Creio que, entre os anos que seguiram a segunda guerra mundial até inicio dos anos 70, foi quando o Brasil mais produziu culturalmente. O pais regrediu, ao invés de cultura para o povo temos cerca 188.498 igrejas evangélicas registradas. E as pessoas não compreendem nada da história e nem do presente. Claro nós que possuimos internet, sempre tivemos boa escola, e como disse um professor meu "danoninho na geladeira", temos uma bagagem cultural um pouco maior. Mas mesmo quem estudou em escola particular ainda tem dificuldade de compreensão básica. Tenho amigos que fazem medicina e conversam comigo que ainda não acreditam na evolução das espécies. Mesmo Darwin sendo cultuado no planeta inteiro, e sua tese ja ter sido comprovada, as pessoas ainda vivem no imaginário. E o pior, até estudantes de medicina...

Salve, salve ao Brasil da ignorância.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Faces (1968) - John Cassavetes (1929/1989)

Cassavetes é cineasta estadunidense, reconhecido por produzir seus filmes a baixo custo e de forma independente. O filme Faces mostra um casal burgues em crise. A relação sexo e dinheiro fica bem explicita na estoria. Salve Cassavetes...

Enjoy...

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Isaac Asimov (1920/1992)

Ecritor e bioquímico estadunidense, nasceu na Rússia.
Autor de obras de ficção científica e divulgação científica

Leis roboticas de Isaac Asimov :

1ª lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.
2ª lei: Um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens conflitarem a Primeira Lei.
3ª lei: Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira e Segunda Leis.

Vai ai um conto: 

"Amor Verdadeiro"

Meu nome é Joe. É assim que meu colega, Milton Davidson, me chama. Ele é um programador e eu sou um programa de computador. Faço parte do complexo Multivac e estou conectado com todas as suas outras partes espalhadas pelo mundo inteiro. Eu sei tudo. Quase tudo.

Eu sou o programa particular de Milton. O seu Joe. Ele entende mais sobre programação do que qualquer outra pessoa no mundo, e eu sou o seu modelo experimental. Ele me fez falar melhor do que qualquer outro computador.

- È só uma questão de emparelhar sons com símbolos, Joe – ele me disse. – E esse o modo como funciona no cérebro humano, embora ainda não saibamos que símbolos existem no cérebro. Mas eu conheço os seus símbolos e posso fazê-los corresponder a palavras, um por um.

Por isso eu falo. Não acho que falo tão bem quanto penso, mas Milton diz que falo muito bem. Milton nunca se casou, embora já tenha quase quarenta anos. Ele nunca encontrou a mulher certa, foi o que me contou. Um dia, ele disse:

- Ainda vou encontrá-la, Joe. Encontrarei a melhor de todas. Vou ter um verdadeiro amor e você vai me ajudar. Estou cansado de aperfeiçoá-lo para resolver os problemas do mundo. Resolva o meu problema. Encontre-me um amor verdadeiro.

- O que é um amor verdadeiro? – disse eu.

- Não importa. Isso é abstrato. Apenas me encontre a garota ideal. Você está conectado com o complexo Multivac, por conseguinte tem acesso aos bancos de dados de cada ser humano no mundo. Vamos eliminar todos eles por grupos e classes até ficarmos com apenas uma pessoa. A pessoa perfeita. E ela será minha.

- Estou pronto – disse eu.

- Elimine todos os homens primeiro – disse ele.

Isto foi fácil. Suas palavras ativaram símbolos em minhas válvulas moleculares. Eu pude amplificar-me para entrar em contato com os dados acumulados sobre cada ser humano no mundo. Conforme suas palavras, afastei-me de 3.784.982.874 homens. Continuei em contato com 3.786.112.090 mulheres.

- Elimine todas as que tiverem menos de vinte e cinco anos – disse ele – e todas as com mais de quarenta. Depois, elimine todas com um QI inferior a 120, todas com uma altura inferior a um metro e cinqüenta e superior a um metro e setenta e cinco.

Deu-me medidas exatas, eliminou mulheres com filhos vivos, eliminou mulheres com várias características genéticas.

- Não estou certo quanto à cor dos olhos – disse Milton. – Por enquanto, deixe isso de lado. Mas nada de cabelos ruivos. Não gosto dessa cor de cabelo.

Duas semanas depois tínhamos baixado para 235 mulheres. Todas falavam muito bem o inglês. Milton disse que não queria um problema de linguagem. Ou nos momentos íntimos, até a tradução por computador entraria no meio.

- Não posso entrevistar 235 mulheres – disse ele. – Levaria muito tempo e o pessoal descobriria o que estou fazendo.

- Isso traria problemas – disse eu. Milton tinha me mandado fazer coisas que eu não estava projetado para fazer. Ninguém sabia disso.

- Isso não é da sua conta – disse ele, e a pele do seu rosto ficou vermelha. – Escute aqui, Joe, vou lhe trazer holografias e você vai checar a lista por similaridades.

Ele trouxe holografias de mulheres.

- Essas aí são três vencedoras de um concurso de beleza – disse. – Veja se alguma das 235 corresponde.

Oito eram correspondências muito boas.

- Ótimo – disse Milton. – Você tem os seus bancos de dados. Estude suas exigências e necessidades em termos de mercado de trabalho e providencie para tê-las aqui numa entrevista. Uma de cada vez, é claro. – Ele pensou um pouco, moveu os ombros para cima e para baixo, e completou: – Ordem alfabética.

Isto é uma das coisas para que não fui projetado para fazer. Deslocar pessoas de emprego para emprego, por razões pessoais, chama-se manipulação. Só pude fazer isso porque Milton tinha me ajustado para agir assim. No entanto, não poderia fazer isso para ninguém a não ser ele.

A primeira garota chegou uma semana mais tarde. O rosto de Milton ficou vermelho quando a viu. Ele falava como se tivesse dificuldade em fazê-lo. Ficaram juntos muito tempo e ele não prestou atenção em mim. Num certo momento, ele disse-.

- Deixe-me levá-la para jantar.

- De certo modo não foi bom – Milton me disse no dia seguinte. – Estava faltando alguma coisa. É uma mulher bonita, mas não senti nenhum toque de verdadeiro amor. Tente a próxima.

Aconteceu o mesmo com todas as oito. Eram muito parecidas. Sorriam muito e tinham vozes agradáveis, mas Milton sempre achava que não estava bem.

- Não consigo entender, Joe – disse ele. – Você e eu selecionamos as oito mulheres que, no mundo inteiro, parecem ser as melhores para mim. Todas ideais. Por que elas não me agradam?

- Você as agrada? – disse eu.

Ele enrugou a testa e esmurrou com força a palma da mão.

- É isso aí, Joe. É uma via de mão dupla. Se não sou o ideal delas, não podem agir de modo a serem o meu ideal. Eu preciso ser, também, o verdadeiro amor delas, mas como fazer isso?

Ele pareceu pensar todo aquele dia.

Na manhã seguinte, se aproximou de mim e disse:

- Vou deixar você cuidar do assunto, Joe. Tudo por sua conta. Você tem meu banco de dados, e vou contar tudo que sei sobre mim mesmo. Você completará meu banco de dados nos mínimos detalhes, mas guarde todos os acréscimos para si mesmo.

- E depois, o que vou fazer com seu banco de dados, Milton?

- Depois você vai fazê-lo corresponder com as 235 mulheres. Não, 227. Esqueça as oito que encontramos. Arranje para que cada uma seja submetida a um exame psiquiátrico. Complete seus bancos de dados e compare-os com o meu. Encontre correlações. (Arranjar exames psiquiátricos é outra coisa contrária às minhas instruções originais.)

Durante semanas, Milton conversou comigo. Ele me falou de seus pais e parentes. Contou-me de sua infância, seu tempo de escola e adolescência. Contou-me das jovens que tinha admirado a uma certa distância. Seu banco de dados aumentou e ele ajustou-me para ampliar e aprofundar minha chave simbólica.

- Veja só, Joe – disse ele. – À medida que você absorve mais e mais de mim, eu vou ajustando-o para corresponder cada vez melhor comigo. Você começa a pensar cada vez mais como eu, por conseguinte, vai me compreendendo melhor. Quando você me compreender suficientemente bem, aquela mulher, cujo banco de dados for uma coisa que você entenda igualmente bem, será meu verdadeiro amor.

Ele continuava conversando comigo e eu passava a compreendê-lo cada vez mais.

Eu conseguia formar frases mais longas e minhas expressões se tornavam mais complicadas. Minha fala começou a ficar muito parecida com a dele, tanto em vocabulário quanto na ordenação das palavras e no estilo.

Certa vez, eu disse a ele:

- Veja você, Milton, não é apenas um problema de adequar uma moça a um ideal físico. Você precisa de uma moça que seja pessoal, temperamental e emocionaimente adequada. Quando isso acontece, a aparência é secundária. Se não pudermos encontrar uma que sirva nestas 227, devemos procurar entre as outras. Acharemos uma que também não se preocupará com a aparência que você ou qualquer outra pessoa tiverem, desde que a personalidade seja adequada. O que significa a aparência?

- Absolutamente nada – disse ele. – Eu saberia disso se houvesse tido mais contato com mulheres. Evidentemente, pensando bem, tudo parece mais claro agora.

Sempre concordávamos, cada um pensava exatamente como o outro.

- Não vamos ter mais nenhum problema, Milton, se você me deixar fazer-lhe algumas perguntas. Posso ver onde, em seu banco de dados, há espaços brancos e irregulares.

O que veio a seguir, Milton dizia, era o equivalente de uma meticulosa psicanálise. É claro. Eu havia aprendido com os exames psiquiátricos de 227 mulheres, a totalidade das quais eu continuava observando intimamente.

Milton parecia muito feliz.

- Falar com você, Joe, é quase como falar com outro eu. Nossas personalidades chegaram a uma combinação perfeita. O mesmo acontecerá com a personalidade da mulher que escolhermos.

E eu a encontrei. Afinal, era uma das 227. Chamava-se Charity Jones e trabalhava como contadora na Biblioteca de História, em Wichita. Seu extenso banco de dados se ajustava perfeitamente ao nosso. Todas as outras mulheres tinham sido descartadas por um ou outro motivo à medida que seus bancos de dados aumentavam, mas com Charity havia uma crescente e espantosa ressonância.

Não precisei descrevê-la para Milton. Ele tinha coordenado meu simbolismo tão intimamente com o seu, que foi suficiente relatar pura e simplesmente a ressonância. A escolha se adequava.

Em seguida, era o problema de ajustar as folhas de serviço e exigências de trabalho de modo a conseguir que Charity tivesse uma entrevista conosco. Isto devia ser feito muito delicadamente, para que ninguém viesse a saber que estava ocorrendo uma coisa ilegal.

Evidentemente, Milton conhecia a manobra. Foi ele quem arranjou a coisa, foi ele quem cuidou de tudo. Quando vieram prendê-lo, em virtude de mau procedimento em trabalho, foi, felizmente, por algo que tinha acontecido há dez anos. Ele me informara sobre tudo, é claro, mas aquilo foi fácil de arranjar. E ele não comentará nada sobre mim, pois seu delito se tornaria muito mais grave.

Milton foi embora, e amanhã é 14 de fevereiro, Dia dos Namorados. Charity chegará então com suas mãos calmas e sua voz suave. Vou ensiná-la a me manejar e a cuidar de mim. O que importará a aparência quando nossas personalidades ressoarem juntas?

Eu direi a ela:

- Eu sou Joe e você é meu verdadeiro amor.

Isaac Asimov
Publicado originalmente no livro Nós, Robôs, Hemus Editora

Salve Isaac...

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Anseio* (Augusto dos Anjos)

Nessas paragens desoladas, onde
O silêncio campeia soberano
Morreram notas do bulício humano,
Nem vibra a corda que a saudade esconde.

Anseios d'alma aqui se perdem. Donde
Fluiu outrora a luz dum doce engano,
Hoje é trevas, é dor, é desengano,
E eu ergo preces que ninguém responde.

Triste criança virginal, quem dera
Voar est'alma a ti, longe dos laços
Dessa jaula de carne que a encarcera!

Ah! Que unidos assim, lá nos espaços,
Cantarias do amor a primavera,
Tendo a minh'alma presa nos teus braços!



Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, 1884 / 1914, poeta brasileiro.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Caché (2005)

Georges (Daniel Ateuil) é um intelectual frances casado com Anne (Juliette Binoche). O casal começa a receber pelo correio fitas de video. Nestas fitas sempre se tem gravado a frente da casa onde o casal mora, seguida de desenhos com riscos de sangue. Os dois começam a se perturbar com as fitas. Até que Georges se lembra de sua infancia... O filme retrata uma nova sociedade francesa e aborta temas psicologicos como a culpa.
Bom proveito...
*

domingo, 6 de setembro de 2009

As Metamorfoses da Paisagem

Eric Rohmer - Les Metamorphoses du paysage (1964)

Torrent <--------
*legenda no torrent. 


Eric Rhomer diretor da Nouvelle Vague francesa.
As metamorfoses da paisagem é um documentário de 23 min, que retrata as modificaçoes da paisagem pós-industrial. O que era materia prima se transforma em grandes estruturas metálicas. Enormes formas geometricas se misturam com a paisagem campestre...

O arquivo: 283MB.

Oscar Wild

Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde (Dublin - 1854 / Paris - 1900).

O Mestre.

Quando as trevas começaram a cair sobre a Terra, José de Arimatéia acendeu uma tocha de pinheiro e desceu da colina para o vale. Tinha o que fazer em casa. E ajoelhando-se sobre as pedras do vale da Desolação, viu um jovem que estava nu e chorava. Seus cabelos eram da cor do mel e seu corpo tão branco como uma flor. Mas ferira o corpo nos espinhos e sobre os cabelos pusera cinzas, à guisa de coroa.
E José, que possuía grandes virtudes, disse ao jovem que se encontrava nu e chorava:
- Não me admira que o teu sentimento seja tão grande, porque, realmente, Ele foi um homem justo.
E o jovem respondeu:
- Não é por Ele que eu choro, mas por mim mesmo. Eu também mudei a água em vinho, curei o leproso e restituía a vista ao cego. Andei sobre as águas e das profundezas dos sepulcros expulsei demônios. Alimentei os famintos no deserto, onde não havia comida; ergui os mortos dos leitos exíguos e à minha ordem, diante de imensa multidão, uma figueira seca novamente frutificou. Tudo que esse homem realizou eu também realizei e, todavia, não me crucificaram.

...

O Díscipulo.

Quando Narciso morreu, a taça de água doce que era o lago dos seus prazeres converteu-se em taça de lágrimas amargas e as Oréadas vieram carpindo pelos bosques a fim de cantar para ele, consolando-o.
E quando perceberam que o lago se transmudara de taça de água doce noutra de lágrimas amargas, desgrenharam as tranças verdes do seus cabelos e disseram:
- Não nos admiramos de que pranteeis Narciso dessa maneira. Ele era tão belo!
- Narciso era belo? – indagou o lago.
- Quem sabe melhor do que vós? – responderam as Oréadas. Ao cortejar-vos, ele nos desprezava, debruçado às vossas margens mirando-vos, e, no espelho de vossas águas, contemplava a própria beleza.
E o lago retrucou:
- Eu amava Narciso porque, quando ele se debruçava sobre as minhas margens para contemplar-me, eu via sempre refletir-se no espelho dos seus olhos a minha própria beleza.

...

Autor de 'O retrato de Dorian Grey', seu unico romance, também publicou contos, novelas, escreveu dramas para o teatro e até escreveu poesias. Além de grande escritor é fundador do 'esteticismo, ou dandismo, que defendia, a partir de fundamentos históricos, o belo como antídoto para os horrores da sociedade industrial, sendo ele mesmo um dandi.'. (Wikipédia)

Salve Dandi.

terça-feira, 23 de junho de 2009

sábado, 21 de fevereiro de 2009

8 1/2


Fellini, como no?
Filme muito bom...
Link torrent <---
Legenda <-----

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Radio Days



Woody Allen, filme de 1987, muito bom...
ta ai o torrent no mininova....
http://www.mininova.org/tor/244066
enjoy

domingo, 18 de janeiro de 2009

O ovo e a galinha (Clarice Lispector.)

De manhã na cozinha sobre a mesa vejo o ovo.
Olho o ovo com um só olhar. Imediatamente percebo que não se pode estar vendo um ovo. Ver o ovo nunca se mantêm no presente: mal vejo um ovo e já se torna ter visto o ovo há três milênios. – No próprio instante de se ver o ovo ele é a lembrança de um ovo. – Só vê o ovo quem já o tiver visto. – Ao ver o ovo é tarde demais: ovo visto, ovo perdido. – Ver o ovo é a promessa de um dia chegar a ver o ovo. – Olhar curto e indivisível; se é que há pensamento; não há; há o ovo. – Olhar é o necessário instrumento que, depois de usado, jogarei fora. Ficarei com o ovo. – O ovo não tem um si-mesmo. Individualmente ele não existe.
Ver o ovo é impossível: o ovo é supervisível como há sons supersônicos. Ninguém é capaz de ver o ovo. O cão vê o ovo? Só as máquinas vêem o ovo. O guindaste vê o ovo. – Quando eu era antiga um ovo pousou no meu ombro. – O amor pelo ovo também não se sente. O amor pelo ovo é supersensível. A gente não sabe que ama o ovo. – Quando eu era antiga fui depositária do ovo e caminhei de leve para não entornar o silêncio do ovo. Quando morri, tiraram de mim o ovo com cuidado. Ainda estava vivo. – Só quem visse o mundo veria o ovo. Como o mundo o ovo é óbvio.
O ovo não existe mais. Como a luz de uma estrela já morta, o ovo propriamente dito não existe mais. – Você é perfeito, ovo. Você é branco. – A você dedico o começo. A você dedico a primeira vez.
Ao ovo dedico a nação chinesa.
O ovo é uma coisa suspensa. Nunca pousou. Quando pousa, não foi ele quem pousou. Foi uma coisa que ficou embaixo do ovo. – Olho o ovo na cozinha com atenção superficial para não quebrá-lo. Tomo o maior cuidado de não entendê-lo. Sendo impossível entendê-lo, sei que se eu o entender é porque estou errando. Entender é a prova do erro. Entendê-lo não é o modo de vê-lo. – Jamais pensar no ovo é um modo de tê-lo visto. – Será que sei do ovo? É quase certo que sei. Assim: existo, logo sei. – O que eu não sei do ovo é o que realmente importa. O que eu não sei do ovo me dá o ovo propriamente dito. – A Lua é habitada por ovos.
O ovo é uma exteriorização. Ter uma casca é dar-se.- O ovo desnuda a cozinha. Faz da mesa um plano inclinado. O ovo expõe. – Quem se aprofunda num ovo, quem vê mais do que a superfície do ovo, está querendo outra coisa: está com fome.
O ovo é a alma da galinha. A galinha desajeitada. O ovo certo. A galinha assustada. O ovo certo. Como um projétil parado. Pois ovo é ovo no espaço. Ovo sobre azul. – Eu te amo, ovo. Eu te amo como uma coisa nem sequer sabe que ama outra coisa. – Não toco nele. A aura de meus dedos é que vê o ovo. Não toco nele – Mas dedicar-me à visão do ovo seria morrer para a vida mundana, e eu preciso da gema e da clara. – O ovo me vê. O ovo me idealiza? O ovo me medita? Não, o ovo apenas me vê. É isento da compreensão que fere. – O ovo nunca lutou. Ele é um dom. – O ovo é invisível a olho nu. De ovo a ovo chega-se a Deus, que é invisível a olho nu. – O ovo terá sido talvez um triângulo que tanto rolou no espaço que foi se ovalando. – O ovo é basicamente um jarro? Terá sido o primeiro jarro moldado pelos etruscos ? Não. O ovo é originário da Macedônia. Lá foi calculado, fruto da mais penosa espontaneidade. Nas areias da Macedônia um homem com uma vara na mão desenhou-o. E depois apagou-o com o pé nu.
O ovo é coisa que precisa tomar cuidado. Por isso a galinha é o disfarce do ovo. Para que o ovo atravesse os tempos a galinha existe. Mãe é para isso. – O ovo vive foragido por estar sempre adiantado demais para a sua época. – O ovo por enquanto será sempre revolucionário. – Ele vive dentro da galinha para que não o chamem de branco. O ovo é branco mesmo. Mas não pode ser chamado de branco. Não porque isso faça mal a ele, mas as pessoas que chamam ovo de branco, essas pessoas morrem para a vida. Chamar de branco aquilo que é branco pode destruir a humanidade. Uma vez um homem foi acusado de ser o que ele era, e foi chamado de Aquele Homem. Não tinham mentido: Ele era. Mas até hoje ainda não nos recuperamos, uns após outros. A lei geral para continuarmos vivos: pode-se dizer “um rosto bonito”, mas quem disser “O rosto”, morre; por ter esgotado o assunto.
Com o tempo, o ovo se tornou um ovo de galinha. Não o é. Mas, adotado, usa-lhe o sobrenome. – Deve-se dizer “o ovo da galinha”. Se eu disser apenas “o ovo”, esgota-se o assunto, e o mundo fica nu. – Em relação ao ovo, o perigo é que se descubra o que se poderia chamar de beleza, isto é, sua veracidade. A veracidade do ovo não é verossímil. Se descobrirem, podem querer obrigá-lo a se tornar retangular. O perigo não é para o ovo, ele não se tornaria retangular. (Nossa garantia é que ele não pode: não poder é a grande força do ovo: sua grandiosidade vem da grandeza de não poder, que se irradia como um não querer.) Mas quem lutasse por torná-lo retangular estaria perdendo a própria vida. O ovo nos expõe, portanto, em perigo. Nossa vantagem é que o ovo é invisível. E quanto aos iniciados, os iniciados disfarçam o ovo.
Quanto ao corpo da galinha, o corpo da galinha é a maior prova de que o ovo não existe. Basta olhar para a galinha para se tornar óbvio que o ovo é impossível de existir.
E a galinha? O ovo é o grande sacrifício da galinha. O ovo é a cruz que a galinha carrega na vida. O ovo é o sonho inatingível da galinha. A galinha ama o ovo. Ela não sabe que existe o ovo. Se soubesse que tem em si mesma o ovo, perderia o estado de galinha. Ser galinha é a sobrevivência da galinha. Sobreviver é a salvação. Pois parece que viver não existe. Viver leva a morte. Então o que a galinha faz é estar permanentemente sobrevivendo. Sobreviver chama-se manter luta contra a vida que é mortal. Ser galinha é isso. A galinha tem o ar constrangido.
É necessário que a galinha não saiba que tem um ovo. Senão ela se salvaria como galinha, o que também não é garantido, mas perderia o ovo. Então ela não sabe. Para que o ovo use a galinha é que a galinha existe. Ela era só para se cumprir, mas gostou. O desarvoramento da galinha vem disso: gostar não fazia parte de nascer. Gostar de estar vivo dói. – Quanto a quem veio antes, foi o ovo que achou a galinha. A galinha não foi sequer chamada. A galinha é diretamente uma escolhida. – A galinha vive como em sonho. Não tem senso de realidade. Todo o susto da galinha é porque estão sempre interrompendo o seu devaneio. A galinha é um grande sono. – A galinha sofre de um mal desconhecido. O mal desconhecido é o ovo. – Ela não sabe se explicar: “ sei que o erro está em mim mesma”, ela chama de erro a vida, “não sei mais o que sinto”, etc.
“Etc., etc., etc.,” é o que cacareja o dia inteiro a galinha. A galinha tem muita vida interior. Para falar a verdade a galinha só tem mesmo é vida interior. A nossa visão de sua vida interior é o que chamamos de “galinha”. A vida interior na galinha consiste em agir como se entendesse. Qualquer ameaça e ela grita em escândalo feito uma doida. Tudo isso para que o ovo não se quebre dentro dela. Ovo que se quebra dentro de galinha é como sangue.
A galinha olha o horizonte. Como se da linha do horizonte é que viesse vindo um ovo. Fora de ser um meio de transporte para o ovo, a galinha é tonta, desocupada e míope. Como poderia a galinha se entender se ela é a contradição de um ovo? O ovo ainda é o mesmo que se originou na Macedônia. A galinha é sempre tragédia mais moderna. Está sempre inutilmente a par. E continua sendo redesenhada. Ainda não se achou a forma mais adequada para uma galinha. Enquanto meu vizinho atende ao telefone ele redesenha com lápis distraído a galinha. Mas para a galinha não há jeito: está na sua condição não servir a si própria. Sendo, porém, o seu destino mais importante que ela, e sendo o seu destino o ovo, a sua vida pessoal não nos interessa.
Dentro de si a galinha não reconhece o ovo, mas fora de si também não o reconhece. Quando a galinha vê o ovo pensa que está lidando com uma coisa impossível. É com o coração batendo, com o coração batendo tanto, ela não o reconhece.
De repente olho o ovo na cozinha e vejo nele a comida. Não o reconheço, e meu coração bate. A metamorfose está se fazendo em mim: começo a não poder mais enxergar o ovo. Fora de cada ovo particular, fora de cada ovo que se come, o ovo não existe. Já não consigo mais crer num ovo. Estou cada vez mais sem força de acreditar, estou morrendo, adeus, olhei demais um ovo e ele me foi adormecendo.
A galinha não queria sacrificar a sua vida. A que optou por querer ser “feliz”. A que não percebia que, se passasse a vida desenhando dentro de si como numa iluminura o ovo, ela estaria servindo. A que não sabia perder-se a si mesma. A que pensou que tinha penas de galinha para se cobrir por possuir pele preciosa, sem entender que as penas eram exclusivamente para suavizar, a travessia ao carregar o ovo, porque o sofrimento intenso poderia prejudicar o ovo. A que pensou que o prazer lhe era um dom, sem perceber que era para que ela se distraísse totalmente enquanto o ovo se faria. A que não sabia que “eu” é apenas uma das palavras que se desenham enquanto se atende ao telefone, mera tentativa de buscar forma mais adequada. A que pensou que “eu” significa ter um si-mesmo. As galinhas prejudiciais ao ovo são aquelas que são um “eu” sem trégua. Nelas o “eu” é tão constante que elas já não podem mais pronunciar a palavra “ovo”. Mas, quem sabe, era disso mesmo que o ovo precisava. Pois se elas não estivessem tão distraídas, se prestassem atenção à grande vida que se faz dentro delas, atrapalhariam o ovo.
Comecei a falar da galinha e há muito já não estou falando mais da galinha. Mas ainda estou falando do ovo.
E eis que não entendo o ovo. Só entendo o ovo quebrado: quebro-o na frigideira. É deste modo indireto que me ofereço à existência do ovo: meu sacrifício é reduzir-me à minha própria vida pessoal. Fiz do meu prazer e da minha dor o meu destino disfarçado. E ter apenas a própria vida é, para quem viu o ovo, um sacrifício. Como aqueles que, no convento, varrem o chão e lavam a roupa, servindo sem a glória de função maior, meu trabalho é o de viver os meus prazeres e as minhas dores. É necessário que eu tenha a modéstia de viver.
Pego mais um ovo na cozinha, quebro-lhe a casca e forma. E a partir deste instante exato nunca existiu um ovo. É absolutamente indispensável que eu seja uma ocupada e uma distraída. Sou indispensavelmente um dos que renegam. Faço parte da maçonaria dos que viram uma vez o ovo e o renegam como forma de protegê-lo. Somos os que se abstêm de destruir, e nisso se consomem. Nós, agentes disfarçados e distribuídos pelas funções menos reveladoras, nós às vezes nos reconhecemos. A um certo modo de olhar, há um jeito de dar a mão, nós nos reconhecemos e a isto chamamos de amor. E então, não é necessário o disfarce: embora não se fale, também não se mente, embora não se diga a verdade, também não é necessário dissimular. Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece, amor não é prêmio, é uma condição concedida exclusivamente para aqueles que, sem ele, corromperiam o ovo com a dor pessoal. Isso não faz do amor uma exceção honrosa; ele é exatamente concedido aos maus agentes, àqueles que atrapalhariam tudo se não lhes fosse permitido adivinhar vagamente.
A todos os agentes são dadas muitas vantagens para que o ovo se faça. Não é o caso de se ter inveja pois, inclusive algumas das condições, piores do que as dos outros, são apenas as condições ideais para o ovo. Quanto ao prazer dos agentes, eles também o recebem sem orgulho. Austeramente vivem todos os prazeres: inclusive é o nosso sacrifício para que o ovo se faça. Já nos foi imposta, inclusive uma natureza adequada a muito prazer. O que facilita. Pelo menos torna menos penoso o prazer.
Há casos de agentes que se suicidam: acham insuficientes as pouquíssimas instruções recebidas e se sentem sem apoio. Houve o caso do agente que revelou publicamente ser agente porque lhe foi intolerável não ser compreendido, e ele não suportava mais não ter o respeito alheio: morreu atropelado quando saía de um restaurante. Houve um outro que nem precisou ser eliminado: ele próprio se consumiu lentamente na sua revolta, sua revolta veio quando ele descobriu que as duas ou três instruções recebidas não incluíam nenhuma explicação. Houve outro também eliminado, porque achava que “a verdade deve ser corajosamente dita”, e começou em primeiro lugar a procurá-la; dele se disse que morreu em nome da verdade com sua inocência; sua aparente coragem era tolice, e era ingênuo o seu desejo de lealdade, ele compreendera que ser leal não é coisa limpa, ser leal é ser desleal para com todo o resto. Esses casos extremos de morte não são por crueldade. É que há um trabalho, digamos cósmico, a ser feito, e os casos individuais infelizmente não podem ser levados em consideração. Para os que sucumbem e se tornam individuais é que existem as instituições, a caridade, a compreensão que não discrimina motivos, a nossa vida humana enfim.
Os ovos estalam na frigideira, e mergulhada no sonho preparo o café da manhã. Sem nenhum senso da realidade, grito pelas crianças que brotam de várias camas, arrastam cadeiras e comem, e o trabalho do dia amanhecido começa, gritado e rido e comido, clara e gema, alegria entre brigas, dia que é o nosso sal e nós somos o sal do dia, viver é extremamente tolerável, viver ocupa e distrai, viver faz rir.
E me faz sorrir no meu mistério. O meu mistério é que eu ser apenas um meio, e não um fim, tem-me dado a mais maliciosa das liberdades: não sou boba e aproveito. Inclusive, faço um mal aos outros que, francamente. O falso emprego que me deram para disfarçar a minha verdadeira função, pois aproveito o falso emprego e dele faço o meu verdadeiro; inclusive o dinheiro que me dão como diária para facilitar a minha vida de modo a que o ovo se faça, pois esse dinheiro eu tenho usado para outros fins, desvio de verba, ultimamente comprei ações na Brahma e estou rica. A isso tudo ainda chamo de ter a necessária modéstia de viver. E também o tempo que me deram, e que nos dão apenas para que no ócio honrado o ovo se faça, pois tenho usado esse tempo para prazeres ilícitos e dores ilícitas, inteiramente esquecida do ovo. Esta é a minha simplicidade.
Ou é isso mesmo que eles querem que me aconteça, exatamente para que o ovo se cumpra? É liberdade ou estou sendo mandada? Pois venho notando que tudo que é erro meu tem sido aproveitado. Minha revolta é que para eles eu não sou nada, eu sou apenas preciosa: eles cuidam de mim segundo por segundo, com a mais absoluta falta de amor; sou apenas preciosa. Com o dinheiro que me dão, ando ultimamente bebendo. Abuso de confiança? Mas é que ninguém sabe como se sente por dentro aquele cujo emprego consiste em fingir que está traindo, e que termina acreditando na própria traição. Cujo emprego consiste em diariamente esquecer. Aquele de quem é exigida a aparente desonra. Nem meu espelho reflete mais um rosto que seja meu. Ou sou um agente, ou é a traição mesmo.
Mas durmo o sono dos justos por saber que minha vida fútil não atrapalha a marcha do grande tempo. Pelo contrário: parece que é exigido de mim que eu seja extremamente fútil, é exigido de mim inclusive que eu durma como justo. Eles me querem preocupada e distraída, e não lhes importa como. Pois, com minha atenção errada e minha tolice grave, eu poderia atrapalhar o que se está fazendo através de mim. É que eu própria, eu propriamente dita, só tenho mesmo servido para atrapalhar. O que me revela que talvez eu seja um agente é a idéia de que meu destino me ultrapassa: pelo menos isso eles tiveram mesmo que me deixar adivinhar, eu era daqueles que fariam mal o trabalho se ao menos não adivinhassem um pouco; fizeram-me esquecer o que me deixaram adivinhar, mas vagamente ficou-me a noção de que meu destino me ultrapassa, e de que sou instrumento do trabalho deles. Mas de qualquer modo era só instrumento que eu poderia ser, pois o trabalho não poderia ser mesmo meu. Já experimentei me estabelecer por conta própria e não deu certo; ficou-me até hoje essa mão trêmula. Tivesse eu insistido um pouco mais e teria perdido para sempre a saúde. Desde então, desde essa malograda experiência, procuro raciocinar desse modo: que já me foi dado muito, que eles já me concederam tudo o que pode ser concedido; e que os outros agentes, muito superiores a mim, também trabalharam apenas para o que não sabiam. E com as mesmas pouquíssimas instruções. Já me foi dado muito; isto, por exemplo: uma vez ou outra, com o coração batendo pelo privilégio, eu pelo menos sei que não estou reconhecendo! Com o coração batendo de emoção, eu pelo menos não compreendo! Com o coração batendo de confiança, eu pelo menos não sei.
Mas e o ovo? Este é um dos subterfúgios deles: enquanto eu falava sobre o ovo, eu tinha esquecido do ovo. “Falai, falai”, instruíram-me eles. E o ovo fica inteiramente protegido por tantas palavras. Falai muito, é uma das instruções, estou tão cansada.
Por devoção ao ovo, eu o esqueci. Meu necessário esquecimento. Meu interesseiro esquecimento. Pois o ovo é um esquivo. Diante de minha adoração possessiva ele poderia retrair-se e nunca mais voltar. Mas se ele for esquecido. Se eu fizer o sacrifício de esquecê-lo. Se o ovo for impossível. Então – livre, delicado, sem mensagem alguma para mim – talvez uma vez ainda ele se locomova do espaço até esta janela que desde sempre deixei aberta. E de madrugada baixe no nosso edifício. Sereno até a cozinha. Iluminando-a de minha palidez